A intervenção urbana é uma forma de arte cujo objetivo é interagir, de maneira criativa e poética, com o espaço cotidiano e as pessoas. As intervenções são capazes de reinventar, ainda que momentaneamente, novos sentidos ao espaço escolhido e suscitar novas percepções às pessoas.

6.4.15

A pele que não habito

Foto: Rodrigo Dionisio/FramePhoto
Texto do fotógrafo Rodrigo Dionisio sobre o registro do primeiro experimento da performance Contornos sem collant

O corpo nu é um dos temas recorrentes da fotografia. Por mero voyeurismo, exibicionismo ou a velha ligação da fotografia com as artes plásticas. Enquanto lê esta frase, milhares (talvez milhões) de objetivas estão apontadas para seios, vaginas, pênis e ânus. Ou tetas, bucetas, picas e cus, dependendo da intenção e do gosto do freguês. Do estudo do corpo nas escolas de fotografia ao selfie erótico, passando pela pornografia, câmeras registram as mais variadas peles com os mais diversos objetivos. Eu mesmo tenho um projeto de nu e a cidade, em busca de modelos e de decolagem.

Foto: Rodrigo Dionisio/FramePhoto
Em boa parte por isso não houve hesitação em aceitar o convite para registrar a primeira performance sem collant de Contornos, do Coletivo PI. Já havia fotografado Entre Saltos. Por questões de agenda perdi a apresentação de pintura com o corpo no Sesc, esta “vestida”. Era algo novo para as “meninas” e para mim. Já fotografei peças de teatro com nudez a rodo (Evoé, Oficina), sambistas se exibindo despudoradamente durante desfiles de Carnaval para milhões na avenida, estudos de corpo em aulas de fotografia, apresentações de sexo explícito, amigas e conhecidas para ensaios. A novidade aqui era registrar mulheres que aprendi a respeitar e que, principalmente, têm me ajudado a pensar o feminino. Era eu, homem, tentar entrar nessa vivência tão presente e alheia ao mesmo tempo.

Fotógrafos vão entender (ou não). Fotografar um corpo nu ou uma natureza morta, uma cesta de frutas sobre uma mesa, dá na mesma. Não estou coisificando as pessoas. Mas o ato de fotografar envolve mais escolhas técnicas, estéticas, históricas que uma divagação a respeito do que se fotografa. Por isso é possível fazer grandes fotos de absolutamente qualquer coisa. Também não estou pregando falta de envolvimento com o tema. Mas deve-se desconfiar de grandes fotógrafos cujos assuntos registrados são sempre mais interessantes do que como eles foram expostos. Isso é outro papo, e, enfim, lá estava eu em uma sala de 5 por 5 metros, se tanto, lotada, com uma iluminação precária, aguardando o início da performance. Configurações da câmera ajustadas, uma série de ideias sobre o que fotografar, pensando por onde conseguir me mover. Aguardando.

Começa a música, as quatro entram em cena, e é como andar de bicicleta. Enquadra, clica, revisa, pensa. Isso dura até começar o banho de tinta. Algo acontece ali naquele quadrado cercado de paredes brancas que tem um poder difícil de explicar, ou mesmo registrar em imagens. Meu tempo ainda pouco de fotografia (sempre vou achar pouco) me ensinou o limite do envolvimento. Até onde posso ir sem prejudicar meu trabalho. Mas admito, em determinado momento fotografar me importava menos. Dava para sentir a pulsação do que ocorria ali, uma respiração forte dentro da performance e só. Corpos nus já não eram a questão, eu via cores, gestos, expressões.

Foto: Rodrigo Dionisio/FramePhoto
A performance termina com a assinatura, um corpo mesclado de todas as cores se retira e sobra a vontade de aplaudir. Mas elas não retornam à cena, nos deixam lá meio órfãos. Percebo só nesse momento ter sido atingido por alguns respingos de tinta. Não é uma sensação nova, já encontrei uma bala de borracha dentro da minha mochila depois de cobrir uma manifestação, e apenas imagino o momento no qual ela foi parar lá. E esse paralelo não é gratuito. A força, a adrenalina e o envolvimento ao fotografar Contornos foi similar. É um ponto onde o fotografar se perde e se mescla no fotografado e leva o funcionário de Flüsser um tanto além do ato de apertar um botão. Em duas palavras: obrigado, meninas.

Obrigada, Rodrigo!!!
Coletivo PI

Rodrigo Dionisio é fotógrafo, proprietário da agência FramePhoto e professor do curso técnico de Processos Fotográficos do Senac São Paulo.

PERFORMANCE CONTORNOS

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