A intervenção urbana é uma forma de arte cujo objetivo é interagir, de maneira criativa e poética, com o espaço cotidiano e as pessoas. As intervenções são capazes de reinventar, ainda que momentaneamente, novos sentidos ao espaço escolhido e suscitar novas percepções às pessoas.

4.4.15

Contornos - experimento #04

Foto: Rodrigo Dionisio/FramePhoto
Pela primeira vez a performance Contornos foi realizada com os corpos nus pintando uma parede. Nesta postagem, algumas performers contam como foi participar dessa experiência.  


Foto: Rodrigo Dionisio/FramePhoto
“Embora ‘tinta sobre pele’ não seja nenhuma novidade na minha experiência como artista, a proposta de Contornos colocava o corpo pintado em um espaço que precisava ser preenchido com movimentação, coreografia e música. Isso era algo novo para mim. Em um curto espaço de tempo precisei me apropriar de um processo que já estava em andamento anteriormente em temporada no Sesc Ipiranga, mas acredito que uma ação performática permite esta dinâmica de estar sempre se transformando. O espaço físico e a nudez eram fatores novos na realização da performance que até então havia sido realizada em espaço público com collants, o que dava a esta apresentação um certo caráter de experimento. O espaço no Mackenzie era intimista, o público bastante receptivo e quando vi estava submersa em tinta seguindo o fluxo da ação. Passeando de salto alto imprimindo formas ao espaço. Traçando contornos e os borrando em seguida extrapolando as formas delimitadas pelas rígidas linhas pretas do grafite. Sou grata pela oportunidade de compor esta obra que deixou estampada a nossa diversidade no melhor estilo PI de celebrar o feminino”. Emanuela Araújo, atriz e performer.

“Esta é foi quarta vez que realizo Contornos. A simples ação de carimbar-se em uma tela fez, em todas as vezes, com que eu entrasse em conflito e em comunhão com minhas crenças, meu corpo, a tela a ser pintada, o público e com espaço onde a ação é proposta. No primeiro experimento, a principal marca pra mim foi o risco ao se jogar
Foto: Rodrigo Dionisio/FramePhoto
numa tela e cair no chão sem saber onde e como o corpo iria parar. No segundo e terceiro foi introduzir movimentos coreografados e fazer no espaço da rua onde o público não é fixo e tudo que é feito ganha potência em dobro. O quatro experimento tratou do corpo nu em um espaço fechado para poucas pessoas. Já fiz trabalhos com o corpo nu exposto antes, portanto, não pensei muito nisso antes de fazer. Não que expor a nudez seja algo totalmente resolvido e de fácil exposição no dia a dia. Acredito que nunca será pela própria maneira como a sociedade foi constituída, principalmente a constituição do feminino na sociedade. Quando tiramos as chapas e fizemos o stencil estava exposta, mas não me sentia invadida, quando abri a vagina e a tinta caiu pela primeira vez, só procurei sentir o que era esse material frio caindo em mim. Quando, depois de quatro carimbos eu coloquei a minha mão no pescoço e desci pelo tronco eu me dei conta: era a minha pele que estava tocando com as mãos. Não era tecido, era tinta, eu e o ar... tinha algo de visceral ali que até então não tinha experimentado. Percebi que o não pensar no corpo nu era uma forma de defesa, de anular esse detalhe da ação, e que agora o jogo era leva-lo sim em consideração. Se olhar no espaço, olhar para as performers que estavam comigo, olhar para as pessoas, para a tela e pensar ‘sou eu, este é meu corpo brincando e dançando do jeito dele, da melhor e mais sincera forma que eu sei fazer agora. E esse agora é a única coisa que importa’. O resto do jogo foi uma sucessão de descobertas e prazeres dentro do jogo vivo da performance”. Chai Rodrigues, atriz e performer.

“O jogo que acontece em Contornos é o principal ingrediente dessa ação. O que queremos é pintar algo ao vivo através da brincadeira e para isso usamos nossos corpos como ferramenta. Esse encontro lúdico entre nossos corpos é protagonista em Contornos, o resto é secundário, inclusive a nudez. As cores que iremos utilizar, o espaço que vamos pintar, a sonorização deste momento e as vestimentas que iremos ou não usar, nada disso é mais importante do que o a celebração promovida pelo encontro de nossos corpos em comunhão com a tinta, o espaço a ser pintado e público. Usar ou não usar o collant em
Foto: Rodrigo Dionisio/FramePhoto
Contornos de fato associa impactos estéticos e signos diferentes para nós e para o público, mas isso está aquém da ação primeira fundamental que é entregar-se a construção de nossa tela. No dia 9 de fevereiro deste ano, experimentamos pela primeira vez a performance Contornos com público expondo nossos corpos nus. Isso com certeza modifica a obra e isso é esperado, pois a obra nasceu com a vontade de ser modificada a cada vez que realizada, seja essa modificação causada pela nudez ou pela falta dela, pelo espaço onde vai ser realizada, pelas cores, pelo público, pelo vento, pela chuva, pelo sol, ou elementos externos que venham a surgir e que não estão sob o nosso controle. O que fazemos é performance, e em noventa por cento de nossas experiências atuamos na rua, e essa escolha tira de nosso controle as modificações e interferências que nossas obras  sofrem. É isso que mantém nossa arte viva. A nudez experimentada pela primeira vez com público em Contornos revelou novas possibilidades de jogo para nós performers. Para mim o que há de mais interessante ao nos colocarmos nuas em Contornos é poder mostrar a força que tem o corpo nu como um símbolo claro. Somos mulheres e discutimos nessa ação o desequilíbrio que há entre a cobrança social de cultivarmos contornos corporais ditados pelos padrões estéticos e a vontade de desconstruir esses padrões não pela via da recusa bélica agressiva e sim pela via da brincadeira debochada. Nas revistas masculinas sempre vemos mulheres nuas, mas na realidade essas imagens não mostram o corpo nu em seu estado puro e orgânico, o que se vê são mulheres nuas vestidas até o pescoço de ideias machistas e conservadoras. A atitude de nos colocarmos nuas em Contornos é mais um elemento de estímulo à celebração que queremos que aconteça no momento da feitura da tela. Através dessa celebração, nosso desejo é colocar nossos corpos em oposição a essas ideias machistas conservadoras revelando o corpo feminino nu em seu estado estético lúdico”
. Priscilla Toscano, performer, diretora do Coletivo PI



Este experimento foi realizado dia 09 de fevereiro de 2015, dentro da programação da Semana de Arte Cultura do curso de Arquitetura da Faculdade Mackenzie, em São Paulo, com curadoria de Marcelo D'Avilla. Fazendo assistência de produção da ação estão: Jean Carlo Cunha e Mari Sanhudo

PERFORMANCE CONTORNOS
Fotos: Rodrigo Dionisio/FramePhoto

Um comentário:

  1. Apresentação, simplesmente sensacional!
    Duvido que haja alguma outra performance que chegue aos pés dessa, nas próximas apresentações de Semana Cultural!
    Parabéns às envolvidas!

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